A moment at eighteen, dorama disponível na Netflix, não me parece ser muito famoso na dramaland já que, até pouco tempo atrás, eu nunca tinha ouvido falar dele. Trata-se de um dorama juvenil, ambientado no ensino médio, cujos protagonistas são Soo-bin, uma jovem muito privilegiada e que sofre para atender as altas expectativas de sua mãe; e Jun-u, um jovem tido como “problemático”, que veio transferido de outra escola e esconde uma certa áurea de mistério em relação ao seu passado.
Para ser sincera, o que me interessou nesse dorama não foi exatamente a história de Soo-bin e Jun-u que, em certo momento da história, passam a desenvolver um romance. Embora haja aspectos interessantes de se analisar nessa relação, eu me ative muito mais aos elementos externos dessa relação do que no casal em si que, em última análise, achei bem sem graça. Ou talvez doramas adolescentes não sejam muito a minha praia, já que minha experiência com o c-drama A love so beautiful, que também retrata a rotina de estudantes no ensino médio, foi uma experiência bastante esquecível.
Mas como A moment at eighteen traz uma questão bastante evidente de classe social para sua história, achei que valia a pena um post passando por essa questão que, de fato, foi bem trabalhada no dorama, a despeito da falta de sal (de acordo com meu julgamento, óbvio) de Jun-u e Soo-bin.
Para mim, a questão das classes sociais é o elemento que mais se sobressai nesse dorama e ele aparece em vários núcleos. Sendo uma sociedade extremamente socialmente estratificada como a Coreia do Sul, acho que o dorama representou muito bem como as desigualdades e diferenças sociais entram nos muros da escola e impactam diretamente a relação entre os estudantes e suas perspectivas e expectativas em relação ao futuro.
A disparidade social e econômica já pode ser vista nos protagonistas do dorama. De um lado, temos Soo-bin, uma jovem que vem de uma família abastada, o que se reflete em toda a sua vida: ela vai para a escola em um carro dirigido pela sua mãe, uma business woman bem-sucedida e ex-estudante da prestigiada Universidade Nacional de Seul; ela mora em uma casa grande, confortável e moderna; ela tem a oportunidade de frequentar um curso extracurricular para melhorar suas habilidades em matemática, graças aos contatos de sua mãe. Em resumo: Soo-bin pode dedicar 100% do seu tempo e da sua atenção aos estudos e a se preparar para ingressar em uma excelente universidade assim que terminar o ensino médio. Isso não faz de Soo-bin uma pessoa mesquinha ou que se ache superior, muito pelo contrário. Mas é preciso pontuar todos os inúmeros privilégios de Soo-bin em uma sociedade tão competitiva e desigual.
Por outro lado temos Jun-u, que vive uma realidade financeira muito diferente de Soo-bin. Com sua mãe trabalhando no interior em um restaurante, Jun-u precisa se virar sozinho, o que também inclui trabalhar no contraturno escolar em uma loja de conveniência. Mais próximo do fim do dorama, vemos Jun-u se desdobrando entre ir para a escola, dar conta das provas, fazer um cursos específico de desenho, se dedicar para ganhar um prêmio e trabalhar na loja. Embora possua um talento extraordinário para as artes, e até mesmo encontre em um professor um aliado que reconhece esse talento e o ajuda, Jun-u precisa suspender o sonho de entrar em uma faculdade de artes, ao menos temporariamente, pois sua mãe está passando por apuros financeiros e ele, de forma muito madura e altruísta, percebe que seria demais para sua mãe tentar resolver seus pepinos financeiros no interior enquanto, ao mesmo tempo, sustenta o filho em uma cidade grande e cara enquanto ele vai para a faculdade.
Quando Soo-bin e Jun-u começam a namorar e têm seu relacionamento descoberto de forma abrupta pela mãe de Soo-bin, Song-hee, a diferença de classe social entre os dois adolescentes é mais do que escancarada. Embora reconheça que Jun-u é um rapaz gentil – depois de muito mau julgamento de sua parte, aliás – Song-hee dá um chilique enorme ao descobrir o romance dos dois, ofende Jun-u e proíbe terminantemente Soo-bin de dar continuidade a esse namoro. Ela chega a tomar atitudes drásticas, desde contratar uma guarda-costas para vigiar sua filha e seguir todos os seus passos, praticamente exigir que o professor Han Gyul desse um jeito de Soo-bin e Jun-u não terem qualquer tipo de contato mesmo pertencendo à mesma turma, até implorar à mãe de Jun-u para trocá-lo de escola.
Mesmo usando como justificativa de que sua filha simplesmente não deveria namorar nessa fase pré-vestibular, a verdade é que Song-hee não suporta a ideia de ver sua filha se relacionando com uma pessoa de uma classe social inferior. Conforme vemos ao longo do dorama, Song-hee é uma pessoa extremamente preocupada com questões relacionadas a sucesso profissional e espera que sua filha, no mínimo, mantenha o mesmo status social que ela arduamente adquiriu e manteve ao longo dos anos. Ver sua filha namorando alguém de outra “casta” é um enorme problema para uma pessoa que luta diariamente para se manter no topo em um sistema que define o sucesso de acordo com a quantidade de dinheiro que você tem.
E mesmo já pertencendo a um alto estrato social, Song-hee sabe que a manutenção de seus privilégios de classe e dar à sua filha a melhor vida possível exigia muuuito puxa-saquismo de sua parte. Vemos várias cenas – até constrangedoras, inclusive – nas quais Song-hee faz de tudo para agradar a mãe de Hwi-Young, pois sabe que ela e sua família são riquíssimos e que só através de contatos assim é que ela poderia garantir que sua filha frequentasse aulas extras de matemática com um bom professor, por exemplo. Soo-bin tem razão em expressar o quão acha vergonhoso sua mãe literalmente se arrastar no chão por uma pessoa só para conseguir mais um acesso, sendo que Soo-bin nem queria ter mais aulas na sua rotina de estudos já muito puxada.
A amizade de Sonh-hee com Yeon-woo, a mãe de Jun-u, até tinha potencial para se constituir uma relação verdadeira em um mar de relações superficiais permeadas pela disputa e pelo exibicionismo. Mas ela também é perpassada pela questão das classes sociais. Enquanto Yeon-woo era apenas uma mãe com múltiplos talentos, simpática, prestativa e que trabalhava temporariamente para Song-hee, não havia problema algum em manter essa espécie de amizade. No entanto, ao saber que sua filha estava namorando o filho pobre de uma mulher pobre, a semente dessa amizade simplesmente não sobrevive, pois nesse momento Yeon-woo e seu filho passam a representar um estorvo no plano de ascensão social detalhadamente delineado por Song-hee para a sua filha.
Ainda sobre Yeon-woo, vale relembrar como ela é visivelmente desprezada pelas mães dos outros alunos da escola, que se sentem superiores a ela e não fazem nenhuma questão de esconder seus julgamentos pois, além de tudo, Yeon-woo foi mãe muito jovem. O único pai com quem Yeon-woo consegue estabelecer um mínimo de diálogo na reunião de pais é com o pai de Oh-je, que possui um pequeno restaurante e está social e economicamente mais próximo de Yeon-woo do que as outras mães ricas dos estudantes daquela turma.
A questão de classe social também fica bastante evidente na relação entre Hwi Young e seu “capacho” Gi Tae. Primeiramente, é preciso ter em mente que Hwi Young vinha de uma família muito abastada. Ele morava praticamente em uma mansão (em uma cidade na qual o metro quadrado vale ouro), tinha acesso a aulas particulares extras com excelentes professores, tudo do bom e do melhor em termos financeiros (em termos familiares e afetivos, a história é outra). Hwi Young fazia suas besteiras a torto e a direito porque tinha certeza absoluta de que seus privilégios de classe o protegeriam de qualquer tipo de retaliação e, além disso, ele tinha Gi Tae para fazer a parte suja de seus planos de expulsão de Jun-u. O fato de Gi Tae sempre fazer os caprichos de Hwi Young e seguir suas ordens cegamente tinha uma razão: Gi Tae não tinha nem metade das oportunidades e privilégios de Hwi Young e achava que a única maneira de ascender na vida seria se colando a uma pessoa que, de certa forma, já estava no topo. Tanto que ele só conseguia frequentar as aulas extras de matemática porque Hwi Young e sua família fizeram isso acontecer, já que Gi Tae não tinha recursos o suficiente para isso. Nem o fato da namorada de Gi Tae, So Ye, colocá-lo contra a parede, exigindo que ela fosse sua prioridade, e não Hwi Young, foi o suficiente para Gi Tae parar de ser o cão de guarda de Hwi Young.
Mas, com o tempo, Gi Tae finalmente se dá conta de que sua amizade com Hwi Young poderia levá-lo a muita confusão e decide cortar esse laço, mesmo que isso significasse ele não ter mais as portas abertas que Hwi Young havia lhe prometido como moeda de troca. É preciso reconhecer que foi necessária bastante coragem da parte de Gi Tae, ainda um adolescente que estava tendo seu caráter formado, conseguir pesar as escolhas e abrir mão de possíveis oportunidades de vida em nome de sua própria honestidade. Nem todos conseguiriam tomar a mesma decisão.
Por fim, talvez o representante-mor da questão do peso das classes sociais seja o absolutamente desprezível pai de Hwi Young. Por fora, ele ostentava a imagem de um CEO bem-sucedido, capa de revista, com um filho estudando um curso super prestigiado como medicina no exterior, um filho mais novo que deveria pelo menos se igualar ao sucesso do irmão, uma esposa dedicada, e uma casa digna da Revista Casa Vogue. Toda essa imagem externa que reforçava a ideia de muito trabalho recompensado com uma vida perfeita escondia uma rotina familiar extremamente violenta, permeada por diversos abusos.
Obcecado pela ideia de manter uma boa imagem e, claro, sua própria classe social, o pai de Hwi Young não hesitava em transformar a vida de todos em um verdadeiro inferno. Ele pregava violência física e psicológica com seu filho e sua esposa (que era basicamente uma alcoólatra, aliás), sempre exigindo que Hwi Young ficasse estudando 24 horas por dia, humilhando-o ao compará-lo com o supostamente bem-sucedido do seu irmão, um verdadeiro terror. Ele não pensa duas vezes em simplesmente se livrar de oponentes do seu filho e, por um momento, consegue mexer os pauzinhos para que Sang Hoon, um aluno da mesma classe de Hwi Young e um gênio na matemática, fosse transferido de escola e de país, só para garantir que Hwi Young continuasse em primeiro lugar. Como se isso não fosse o bastante, a série mostra que ele subornou o antigo professor de matemática da escola para alterar a nota de Hwi Young, um escândalo que acaba vindo à tona mais para o final.
Os efeitos de tanta cobrança em um ambiente familiar completamente hostil logo surtiu seus efeitos. Hwi Young estava se encaminhando para ser exatamente como o pai, identificando em Jun-u um inimigo que poderia “roubar” Soo-bin de si e fazendo de tudo para garantir sua expulsão, incluindo uma acusação falsa de roubo que poderia ter arruinado a vida de Jun-u. Além disso, Hwi Young já estava acostumado com a ideia de que seus pais poderiam fazer qualquer coisa para tirá-lo de qualquer enrascada e ele nem pensa duas vezes em pedir para sua mãe fazer o que fosse necessário. Mesmo que por fora Hwi Young sustentasse a imagem de um aluno inteligente, dedicado e uma liderança que pensava no bem-estar de toda a turma, a verdade é que suas crises de coceira já demonstravam um altíssimo nível de ansiedade.
Felizmente Hwi Young consegue quebrar esse ciclo e, depois do escândalo das notas, ele mesmo toma a decisão de sair da escola e trabalhar como frentista em um posto de gasolina – um significativo “rebaixamento” social necessário para que ele reavaliasse sua vida o rumo que ela estava timando. Ele visita seu irmão – que, na verdade, está em uma clínica psiquiátrica, provavelmente mais uma vítima dos desmandos do pai – e parece estar disposto a começar do zero, inclusive pedindo desculpas para Jun-u se ajoelhando. O caminho a ser trilhado por Hwi Young será longo, mas é bom ver que ele conseguiu dar o primeiro passo para ser uma pessoa autêntica, sem passar pela vida como seu pai, apenas se importando em estar no topo da cadeia alimentar, passando por cima de tudo e de todos.