O (problemático) tropo das mães que abandonam seus filhos

Agora que eu tenho uma bagagem considerável de doramas, já percebi que alguns tropos/assuntos são relativamente comuns. choosen family, star-crossed lovers, enemies to lovers e os noona romances são apenas alguns desses tropos tão conhecidos e que são garantia de quentinho no coração. Mas um tropo que já apareceu em alguns doramas que assisti e do qual não ouço muito falar por aí é o da mãe que abandona seu filho e isso vem me incomodando já tem um tempo.

Eu não sei a realidade da Coreia do Sul e da China (países onde passam os dramas dos quais falarei nesse post), mas no Brasil a gente sabe que, quando o assunto é abandono parental, quem geralmente fica segurando as pontas e cuidando dos filhos é a mãe. O fato de um pai abandonar o filho com a mãe é tão corriqueiro que chega dói e é muito, muito comum famílias monoparentais com mães que são as únicas responsáveis pela criação dos filhos, enquanto o pai se sente perfeitamente desobrigado de fazer minimamente a sua parte (longa discussão, mas precisava fazer essa introdução).

Tudo isso para dizer que, embora haja mães que abandonem seus filhos, na realidade brasileira isso não é comum e quem geralmente faz isso é o pai. Por isso muito me intriga ter assistido a pelo menos três dramas que mostram personagens principais abandonados por suas mães. Isso é uma realidade comum na Coreia do Sul? Se não, por que fazer essa escolha no roteiro? Para dar um passado triste ao personagem e taxar a mãe de “megera”?

Bom, comecemos com Joon-hyung, protagonista de Weightlifting fairy Kim Bok-joo, um jovem nadador prodígio que sofre crises de pânico em momentos importantes, como nas próprias competições. As crises que Joon-hyung sofre têm um histórico que remonta à sua infância, mais especificamente quando tinha 5 anos. Nesse momento de sua vida, seu pai já tinha morrido e sua mãe se casou com outra pessoa e foi embora para o Canadá, deixando Joon-hyung sob os cuidados de seus tios. Nos primeiros anos, ela manteve contato, enviando cartões-postais, mas, depois de alguns anos, eram seus próprios tios que enviavam cartões-postais e presentes, fingindo que eram de sua mãe. Durante uns bons anos, Joon-hyung acredita que sua mãe é quem está mandando presentes, mas os dois parecem nunca se falar e fica por isso mesmo.

É claro que tantos anos de silêncio, falta de comunicação e mentiras acabarim explodindo em algum momento. Embora eu entenda perfeitamente a escolha da mãe de Joon-hyung de começar uma nova vida, com outra pessoa e em outro país, não encontro justificativas para ela ficar tantos anos sem falar com o filho (afinal, vivemos no século XXI e a internet sul-coreana é famosa por ser uma das melhores do mundo). Não é possível que a vida dela no Canadá fosse tão ocupada ao ponto de nunca ter tempo para dar um oi para seu próprio filho.

O retorno repentino da mãe de Joon-hyung é confuso tanto para ele quanto para a audiência. Aos poucos vamos descobrindo que o motivo de seu retorno é conseguir dinheiro para uma cirurgia que poderia salvar a vida de sua filha, um motivo mais que válido, claro. Mas não entendo porque a mãe de Joon-hyung teve que voltar sem sequer avisar seu filho, aparecendo repentinamente na faculdade onde ele estudava e deixando o menino em completo choque e claramente desconfortável. O menino não via a mãe há mais de 15 anos e ela aparece assim, do nada, sem nem sequer mandar uma mensagem antes? Eu não esperaria outra reação de Joon-hyung a não ser ficar muito confuso.

“Vou aparecer de surpresa para o meu filho depois de não vê-lo em 15 anos”. Ótima ideia, vai lá.

Obviamente que, em um dorama, muita coisa acontece apenas para adicionar uma camada de drama e de expectativa à narrativa. Porém, continuo achando esse “abandono maternal” muito mal feito, pois não entendo porque a mãe ficou tantos anos sem sequer dar um oi para o filho (o que poderia ter sido resolvido literalmente com um toque no celular), nem porque ela sequer avisou seu filho de que voltaria e que seria uma passagem breve, pois sua filha estava à beira da morte. Joon-hyung já tinha dado muitas amostras de ser uma pessoa sensata e compreensiva, e tenho certeza de que ele entenderia os motivos de sua mãe se ela se comunicasse de maneira clara (e antecipada!) com ele. Foi preciso esse retorno, conversas entreouvidas, muito choro e drama para Joon-hyung finalmente conseguir se reconciliar com sua mãe, mas eu ainda não engoli essa história não.

Agora indo para um c-drama, o primeiro que assisti foi o The Day of Becoming You e que também traz esse tema da mãe que abandona seu filho. Nesse caso, o protagonista, Jiang Yi, é líder de uma boyband e tem por características ser extremamente reservado e introspectivo. Ele possui uma áurea constante de tristeza e possui um passado com uma carga emocional com a qual ele não sabe lidar.

Ainda criança, seus pais se separaram e sua mãe foi embora para os Estados Unidos devido à uma oportunidade única de emprego na sua área como pesquisadora. Seu pai, completamente negligente, deixava o filho cada hora na casa de um parente, o que despertou em Jiang Yi um sentimento constante de insegurança e de falta de pertencimento. Isso resultou em um adulto desconfiado e melancólico e que nunca teve um relacionamento baseado em sentimentos sinceros até encontrar nossa mocinha, Sheng Sheng.

Ao longo dos anos, Jiang Yi mantém um contato frio e distante com sua mãe que, ao contrário da mãe de Joon-hyung, faz bastante esforço para manter essa (fraca) ligação com o filho, mandando presentes em todos os seus aniversários, enviando mensagens, ligando e pedindo para encontrá-lo quando está na China. Mas, para Jiang Yi, tudo isso não passa de protocolos e de uma tentativa fracassada de sua mãe reverter o passado.

Este caso me lembrou muito o filme “A filha perdida”, baseado na obra homônima de Elena Ferrante, e que causou muito debate quando de sua estreia na Netflix no começo de 2022. No livro/filme, temos a protagonista, Leda, uma mulher com muito talento para a academia, casada e mãe de duas meninas. Em determinado momento, Leda, quando suas filhas ainda eram crianças, não aguenta o peso da maternidade (embora casada, ela é praticamente uma mãe solo por motivos de: marido que não faz sua parte) e some por três anos. Esse período teve um impacto definitivo na sua relação com suas filhas, que nunca mais foi a mesma depois desse evento. Na época que o filme saiu, a internet se dividiu entre aquelas pessoas que achavam que Leda não fez nada de errado em seguir seus sonhos, enquanto outras pessoas saíram atirando pedra chamando-a de “mãe desnaturada”. Porém, um lado da história ficou de fora: quem mais sofreu as consequências da decisão de Leda foram elas, as crianças. E quando se é mãe e se decide ficar três anos fora da vida de suas filhas, as consequências e o impacto dessa ação tendem a ser permanentes e moldar a relação entre mãe e filhas dali para a frente.

Essa é uma discussão muito complexa e longa e eu odeio que The Day of Becoming You tenha me colocado nessa posição de julgar a mãe pelas suas escolhas. Eu estou com todas as pedras na mão para atirar contra o pai, um ser humano absolutamente negligente, interesseiro e desprezível, mas não consigo entender completamente a decisão da mãe. Ela sabia que seu marido não prestava, que ele não ia cuidar do filho e, ainda assim, vai embora para o outro lado do mundo. Mais uma vez, quem pagou por essa decisão foi Jiang Yi, que cresceu sendo uma criança solitária, não se sentindo amado, acolhido e desejado em nenhum lugar. E o impacto de ser uma criança que fica perambulando de parente em parente é enorme na vida adulta. Ao contrário do que aconteceu com Joon-hyung, que ficou sob os cuidados de tios amorosos e que, de fato, cuidaram dele, Jiang Yi foi deixado sob a “responsabilidade” de um homem que estava longe de cumprir qualquer dever como pai.

Eventualmente, a série nos leva para uma reconciliação entre mãe e filho, e vemos que a mãe de Jiang Yi reconhece que sua escolha não foi feita sem danos. Ela sabe perfeitamente bem que a relação com seu filho nunca mais seria a mesma e admite que se casou e virou mãe meio que no automático, sem parar para refletir sobre suas escolhas. No mundo ideal, a mãe de Jiang Yi teria todo o direito de aproveitar uma oportunidade profissional única condizente com toda sua competência e o pai seria uma pessoa responsável que cuidaria do bem-estar do próprio filho. Mas não consigo entender como, mesmo sabendo que seu filho ficaria com um homem que não estava nem aí para nada e que tinha dito com todas as letras que não cuidaria do filho deles, ela ainda assim foi embora. Entre defender o direito de uma mulher de se realizar e ir em busca de sua felicidade e o direito de uma criança, que não pediu para vir ao mundo, de ser amada, acolhida e apoiada, eu sinto muito, mas vou ficar do lado da criança sim.

Esperando ansiosamente a mensagem da mãe que nunca vai chegar

E então chegamos em You make me dance, um web-drama centrado no romance entre Shi On, um jovem bailarino endividado de 22 anos, e Hong Seok, um cobrador de dívidas que representa a instituição para a qual Shi On está devendo. E aqui temos mais um exemplo de filho abandonado pela mãe: no caso, a mãe de Shi On também se casa e vai embora da Coreia do Sul e simplesmente não entra mais em contato com o filho. Tudo bem que, nesse caso, Shi On já não era mais uma criança quando sua mãe decide começar uma nova vida, mas mais uma vez temos aqui o problema da mãe que não dá sequer um oi para o próprio filho e some do mapa. Em vários momentos do dorama vemos Shi On conversando com a foto de sua mãe, mandando mensagens e esperando ansiosamente um “feliz aniversário” de sua genitora, tudo em vão, pois ela nunca responde. Então temos um jovem de 22 anos endividado e sem nenhum tipo de apoio financeiro ou emocional de sua mãe.

Ao contrário dos outros dramas citados nesse post, em You make me dance não vemos uma reconciliação entre mãe e filho. Ela some e fica por isso mesmo. E sinceramente, no contexto do dorama e com tão pouco tempo, acho que foi o melhor a se fazer e focar no romance entre os protagonistas. O que fica é um gosto amargo de uma mãe que não quer mais contato com seu próprio filho.

Para finalizar…

A maternidade é um assunto muito complexo, profundo e cheio de julgamentos e eu fico muito, muito intrigada em ver esse tropo da mãe que abandona seu filho aparecer em algumas séries. Isso acaba me colocando em uma posição muito desconfortável de julgar mães e suas escolhas, enquanto não se coloca o mesmo peso no pai. Adoraria entender o que está por trás dessas escolhas narrativas e fico pensando que deveria haver outras maneiras de dar um passado triste e complicado para o protagonista que não envolva o abandono materno, já que isso leva invariavelmente a um julgamento por parte da audiência, taxando a mãe de “megera” e “desnaturada”. Talvez esses doramas pudessem ter explorado a dinâmica familiar como um todo e como isso afeta a vida dos personagens, sem colocar tanto peso única e exclusivamente na mãe. Enfim, um tema longo e que merece mais reflexão e discussão.

Publicado por

Aline

Alguém que conheceu a dramaland e resolveu escrever sobre.

Deixe um comentário