The Red Sleeve e a impotência de ser mulher

Red Sleeve é um kdrama que causou bastante burburinho quando de sua exibição, dentre outros motivos, por sua super produção e por se basear em uma história real de um rei que se apaixona por uma dama da corte durante a dinastia Joseon. Embora esta seja uma série que renda muitos temas sobre os quais falar, para mim, como boa feminista que sou, o tema que mais se sobressaiu foi a vida bastante limitada em termos de escolha das mulheres que vemos em tela.

Se hoje, no Brasil do século XXI, ser mulher continua não sendo a coisa mais fácil do mundo, assistir a Red Sleeve me fez pensar que ser mulher na dinastia Joseon na Coreia deveria ser ainda mais difícil. O que vemos por meio de diversas personagens femininas, de diferentes classes e posições sociais, é que, não importa se você é uma simples dama da corte ou uma rainha: quando se é mulher, as escolhas são poucas e, geralmente, ruins.

Comecemos pela própria ideia de ser uma dama da corte. Embora a série tenha um visual, de fato, muito bonito, mostrando damas da corte com cabelos e vestimentas impecáveis, é impossível ignorar que a vida de uma dama da corte é triste, mesmo que a série tente colocá-las em festas, felizes e confraternizando entre si. Ser uma dama da corte, por si só, já é ter uma vida bastante limitada, que se resume a servir ao rei e ao palácio, o que inclui a impossibilidade de se casar e ter uma família e também significa que sair do palácio e ver “o mundo lá fora” acontece em raras vezes. Um verdadeiro convento, em outras palavras. E a série mostra que essa não é exatamente uma escolha para todas as damas da corte que estão ali: algumas meninas viraram damas da corte porque são muito pobres e a vida no palácio daria um mínimo de conforto; outras, como Deok-Im, foram parar lá porque ficaram órfãs.

O fato é que as damas da corte ocupam um lugar que é, antes de tudo, de submissão vitalícia. E logo no primeiro episódio vemos uma das damas de corte mais velhas dizer à Deok-Im ainda criança que ela deveria aspirar a se tornar uma concubina do rei para ter o direito de ser velada no palácio quando morresse. Sério, que coisa triste deve ser para uma mulher aprender que sua grande aspiração na vida é se tornar amante do rei.

Daí chegamos em Deok-Im e em um dos temas que mais geram debate em Red Sleeve: o tema da escolha. Não demora muitos episódios para ficar claro que o então príncipe herdeiro Yi San tinha interesse em Deok-Im, mas é só após assumir o trono que ele, de fato, faz a proposta “irrecusável” para Deok-Im se tornar sua amante. E é a partir daqui que vemos o grande embate da série. Deok-Im se recusa durante muito tempo a se tornar concubina e ela tem muitos motivos para isso.

Primeiro que ela de fato amava Yi San, mas sabia que ser sua concubina significava ter que dividi-lo com muitas outras mulheres, incluindo a rainha propriamente dita e outras concubinas. E é perfeitamente compreensível que ela fosse se sentir muito magoada, afinal, ela sempre estaria disponível para ele, mas ele nunca seria apenas dela. Em segundo lugar, ainda que limitada, sua vida como dama da corte lhe dava alguns benefícios que a vida de uma concubina não permitiria: ela não poderia mais sair do palácio, nem ver suas amigas com a frequência que gostaria. Em outras palavras, ela teria que abdicar de uma vida que, embora não fosse perfeita, ela gostava, para viver o seu grande, porém problemático, amor. E eu acho que a série fez muito bem em não romantizar a vida de uma concubina real como se fosse tudo as mil maravilhas: o tempo todo fica claro que, embora para muitas mulheres esse fosse o ápice da vida, para Deok-Im isso significava abrir mão do pouco de liberdade que ela tinha e era uma escolha muito dolorosa de se fazer.

Muito se discute sobre a escolha de Deok-Im e até que ponto ela escolheu conscientemente ser amante do rei ou se ela foi vencida pelo cansaço. Mas pouco se fala sobre o fato de que Deok-Im estava diante de duas escolhas ruins, no final das contas. Enquanto ser concubina do rei lhe permitiria estar com seu amado, embora de forma incompleta, isso tiraria dela os poucos benefícios que ela tinha como dama da corte. Porém, ser dama da corte não era exatamente uma vida cheia de possibilidades e Deok-Im passaria a vida de forma servil, e sem poder experimentar viver o amor com o homem que amava.

Diante disso, o que eu concluí é que Deok-Im simplesmente não tinha controle sobre sua própria vida, e o fato de nunca admitir a Yi San que sim, o amava, era sua defesa, seu senso de que pelo menos isso ele não ia arrancar dela, pelo menos essa parte dela ela ia manter única e exclusivamente para si mesma. No meu mundo ideal, Deok-Im teria sua vida fora do palácio e daquele monte de intriga (perdi a conta de quantas vezes ela foi punida ou ameaçada de morte por capricho alheio) e ganharia seu dinheiro lendo e escrevendo histórias e pronto.

A cena em que Deok Im se despede de seu eu jovem saindo do palácio. Coração partido descreve.

Quando eu falo que a vida de uma dama da corte está longe de ser livre, nós vemos com Kyung Hee, uma das grandes amigas de Deok-Im, o que acontece quando uma dama da corte ousa quebrar as regras e viver a vida à sua maneira. Kyung Hee se apaixona por um homem e, conforme ela deixa muito claro, por livre e espontânea vontade, decide ficar com ele. Ela acaba engravidando e recebe a pena capital pelo seu crime de adultério (afinal, aos olhos da lei, ela traiu o rei, único homem ao qual ela deveria ser devota) e é morta. A mensagem no caso de Kyung Hee é muito clara: como dama da corte, só lhe era reservado uma única possibilidade de vida, e quando se ousa romper com esse padrão e criar um caminho diferente de sua própria escolha, o que aguarda uma dama da corte é uma pena impiedosa.

E se achamos que as mulheres que pertencem às classes sociais mais altas vivem uma vida plena e cheia de alegrias, a rainha viúva fala literalmente em uma das cenas da série que sua vida é ficar presa em um lugar lindo. E é exatamente essa a vida da rainha: ela tem todo o conforto à altura de sua posição social, tem certo poder – o que é importante em vários momentos de intervenção -, mas sua vida é limitada ao palácio. Ela não tem liberdade alguma de sair e fazer o que bem entender e seu poder é restrito, já que quem manda, de fato, é o rei.

Para concluir, Red Sleeve é um desses K-dramas arrasa-quarteirões, que teve uma ótima audiência e, de fato, tem uma história interessante, com cenários e figurinos belíssimos. Mas, para mim, foi impossível não me compadecer das mulheres desse K-drama e chegar à conclusão de que todas, sejam rainhas, sejam damas da corte, viviam em uma época e sociedade extremamente machistas. Consequentemente, suas escolhas eram limitadas e as poucas mulheres que ousavam ir além do que lhes era permitido eram severamente punidas. Que a comovente história de amor desse K-drama não apague essa importante reflexão do quão ter nascido homem ou mulher em determinada época e sociedade podem ditar (e muito) quais rumos a vida pode tomar.

Publicado por

Aline

Alguém que conheceu a dramaland e resolveu escrever sobre.

2 comentários em “The Red Sleeve e a impotência de ser mulher”

  1. Você viu Hae Ryung a historiadora? Está na Netfçix e reflete também sobre a mulher na era do império, mas com outra abordagem. Vale muito a pena ver.

    Curtir

Deixe um comentário